INCÓGNITA (ÚLTIMO CAPÍTULO)
quarta-feira, outubro 21, 2020INCÓGNITA
Último Capítulo
Cena 1: Delegacia de Polícia / Sala do
Dr. Eduardo / Interior / Noite Chuvosa
Continuação imediata da última cena do
capítulo anterior
Dr. Eduardo se vira para Larissa,
debochado:
Dr. Eduardo: - Olha, se você usou ou tem
usado um daqueles trecos, você precisa tomar cuidado por que eles já estão
minando os últimos neurônios dessa cabecinha. (T) Qual a lógica de o Dr.
Emiliano estar vivo?
Takes alternados entre os olhares de
Larissa e do Delegado. A testa dele está condensando suor, em pleno estado de
nervosismo, mesmo que sua pose continue firme, rígida:
Larissa (rebaixando a cabeça): - Seria
(T) Seria a única explicação plausível (T) mediante certas circunstâncias. (T)
E para de falar do Ronaldo, ele não tá aqui pra se defender e, (T) pelo que eu
saiba, ofender a honra do morto da cadeia, e desse gostinho eu estou louca pra
provar.
Dr. Eduardo se levanta, de modo
auspicioso:
Dr. Eduardo: - Uma pena que desse prato
você não vai poder provar (T). Já eu (T) – Se aproximando de Larissa – vou me
lambuzar.
O Delegado apanha novamente o tablet.
Dele, surge o mesmo vídeo da discussão que já havia sido mostrado (Cena 1 –
Capítulo 7), agora, com som. A câmera foca na tela, que reproduz o material:
“- Eu matei Emiliano Figueiredo Silva”. [...]
Quem é que vai provar...né?”
Larissa (apavorada): - Isso tá
manipulado, esse não é o real contexto da conversa!
Delegado (sarcástico): - Me prove. (T)
Quem vai poder te ajudar? O seu amante? Que eu saiba, até o presente momento,
cartas psicografadas são admitidas como meio de prova, caso a Sra. não saiba,
vivemos num Estado Laico!
Larissa, enfurecida, se levanta e tenta
agarrar o braço de Dr. Eduardo, que violentamente a joga contra o chão, e, por
pouco, não bate a cabeça na estante de aço encostada à parede. Ele caminha até
ela:
Dr. Eduardo: - Eu esperei muito tempo
por esse momento (T) pela sua derrocada (T) pela derrocada de quem te amava, e
por quem você nutria o mesmo sentimento. (T) Sabe? eu detesto sentimentalismo
recíproco.
A câmera foca no rosto de Larissa,
apavorada. De repente, seus olhos cerram. Ela parece comparar o discurso que
sai da boca do Delegado às palavras que Emiliano desferia quando vivo. Lágrimas
começam a despencar de seus olhos. Dr. Eduardo se aproxima ligeiramente da
socialite, agora tocando-lhe suavemente o queixo:
Dr. Eduardo: - Vai, meu anjo, confessa.
(T) Você sabe que tua vida acabou. (T) Não tem mais ninguém que te impeça. Não
tem mais filho. (T) Não tem mais amor. Acabou.
Larissa engole em seco. Ela parece
tentar digerir o amargor da realidade:
Larissa (chorosa): - Fui eu. – Corta para “Abertura”
Cena 2: Delegacia de Polícia / Sala do
Dr. Eduardo / Interior / Noite Chuvosa
A câmera foca na mão do Dr. Eduardo, que
clica num aplicativo de gravação de voz do celular. A câmera retorna ao rosto
de Larissa.
Larissa: - Fui eu quem matou o Emiliano.
(T) Fui eu quem atirou no Emiliano enquanto ele estava no escritório, com
música alta. Na mesma noite, eu fui com meu filho e (T) o Humberto até o
espetáculo do “Le Papillon” e, saí por um tempo, peguei um táxi, voltei pra
casa e arrastei o corpo até o carro do meu (T) do meu marido. E então/ (corta)
Dr. Eduardo (caminhando pela Sala): - E
então a Sra., já munida de galões de combustível, próximo do terreno do Largo
São Francisco, incendiou o automóvel, inclusive tendo furado o tanque do carro,
é isso? (T) Caso você não saiba, essa versão já foi contada pelo/ (corta)
Larissa: - Pelo meu filho? Pois é a
única versão. O (T) Dr. não acreditou nele, mas em mim vai. O Sr. acha mesmo
que um usuário de drogas ia ter uma psique tão racional a ponto de bolar um
plano desse? Não.
Dr. Eduardo: - É (T) Na época da
confissão dele, eu mesmo disse que havia notado incoerências no depoimento,
como (T) como válvula de escape pra acabar com aquela situação toda.
Larissa: - Pois é Dr. E como eu disse:
minha mãe tá morta. Eu (T) Eu só a usei como álibi no depoimento porque foi a
única parte do plano que falhou: ser vista pelas câmeras. Foi burrice, é claro
(rindo), mas (T) acho que nem todo crime é perfeito. Eu só estranho muito você
ter sabido todo esse tempo da verdade e nunca ter sequer deixado uma pista
dessa ciência.
Dr. Eduardo (debochado): - Um delegado
não coloca suas armas sobre a mesa. Ele deve saber tirá-las da manga no momento
certo. E um bom profissional sabe lidar com a psique humana, com as reações,
com as expressões faciais, os trejeitos (T) enfim. E eu tinha fontes bastante
palpáveis, e não só pra isso, mas pra (T) pra todas as outras coisas que a Sra.
pensou que – (rindo) – que o Dr. Emiliano teria me contado.
Dr. Eduardo se volta novamente para a
socialite:
Dr. Eduardo: - Precisamos esclarecer
outras coisas. Como eu disse, visita íntima na cadeia nunca é íntima por
completo (T) as paredes tem ouvidos. O que são aqueles euros malocados no
apartamento do seu amante?
Larissa: - São valores que eu e o
Humberto desviamos de uma sociedade de próteses de/ (corta)
Dr. Eduardo: - Silicone.
Larissa: - Exato. – ela paralisa por um
momento, desconfiada – O Humberto, na verdade, foi responsável pela contratação
da empresa de próteses de silicone, tudo com procuração do Emiliano. Ele
assinava os recibos em confiança, e a gente desviava os valores pra nós, em
dinheiro vivo, pra não haver problema de localização ou rastreamento.
A câmera retorna à mão do Dr. Eduardo,
que continua gravando a confissão:
Larissa (com um semblante cansado): - O
Sr. precisa de mais alguma coisa? Ou já pode me condenar. Aliás, não tem
qualquer sentença que mate qualquer esperança ou sentimento quanto a morte de
um filho.
Dr. Eduardo: - Bem (T) como a Sra. sabe,
as câmeras não captaram só você, como seu filho e seu (T) amante. E também foi
encontrado um (T) um aparelho celular que (T) eu não preciso ficar explicando,
não é mesmo/ (corta):
Larissa: - O Humberto e o Ronaldo só me
ajudaram a locar os galões de gasolina, e as mensagens do celular (T) Eu
discuti com o Emiliano no dia porque (T) – (suspirando) – porque não interessa,
Dr., chega, melhor acabar logo com isso.
A câmera foca nas mãos do Dr. Eduardo,
que apanha as algemas. Em slow motion, as algemas são colocas, e, em
takes alternados, o rosto de Larissa, numa carga de tristeza e melancolia que a
impede de chorar.
Dr. Eduardo: - Você vai ficar por aqui
hoje, mas, eu já vou requerer a sua prisão preventiva pro Juiz e (T) amanhã (T)
você vai pra Penitenciária Feminina. Acabou/
Ela tenta passar as mãos no rosto de
Larissa, que se esquiva:
Dr. Eduardo: - Meu amor.
Takes alternados entre os olhares dos
dois. A imagem se encerra num fade out. Corta para:
Cena 3: Plano sequência / Imagens
Sequenciais / Transição de Tempo
A câmera foca nas mãos de Larissa
algemadas, sem som, apenas com a sonoplastia de batidas de coração e de passos,
o fundo vai mudando, com as mesmas mãos como foco. A câmera transita pela
Delegacia de Polícia, Penitenciária, Tribunal do Júri, a condenando pelo
assassinato de Emiliano, e novamente a cadeia. De repente, as mesmas mãos se
viram, agora, com uma camiseta branca de presidiária como fundo. A câmera sobe
chegando ao rosto de Larissa, atrás das grades de uma cela. Não há emoção,
tampouco lágrimas escorrendo. A cena escurece. Surge, então, um letreiro, em
“Courier New”
4 MESES DEPOIS
02 DE NOVEMBRO DE 2019 – SEXTA-FEIRA
Cena 4: Penitenciária Feminina / Banho
de Sol das detentas / Interior / Manhã
A câmera passeia pelas presidiárias,
reunidas no espaço livre para o banho de sol no Presídio. Ela vai caminhando,
até o encontro de Larissa. Ela está recostada na parece mal pintada e encardida
do local, com os braços estirados sobre as pernas, cobertas por uma calça
amarela. De repente, outra detenta senta-se ao seu lado, lhe entregando um
jornal amarrotado:
Detenta: - Viu isso, guria? Não é aquele
cara que tu constaste que te botou aqui, não!?
Larissa apanha lentamente o jornal. A
câmera toma o foco na manchete:
“Eduardo Spiller, Delegado da Seccional
do Largo São Francisco, pede exoneração do cargo”
A câmera sobe um pouco e mostra a data:
04 de julho de 2019.
Larissa: - Mas, esse jornal é de julho.
Ele já tá fora do cargo há 4 meses.
Detenta: - Tu não notaste nada não? Ele
saiu logo depois da tua condenação, Larissa. (T) – se aproximando de Larissa –
as garotas disseram que a Corregedoria pediu a máxima discrição, parece que ele
causou uns problemas nuns processos lá, deu ruim pra ele e “ele” saiu.
Larissa (devolvendo o jornal): - E o que
me adianta saber disso? Já estou aqui, não estou? O passado não vai mudar o
presente, muito menos o futuro. (T), mas, você sabe quem tá substituindo-o? Eu
fiz um pedido de saída temporária, parece que a Defensora ia tentar alguma
coisa pra mim. Hoje (T) hoje é dia de Finados, e eu queria visitar o meu filho.
Detenta: - Parece que daqui a pouco ela
tá aí. Tem aquele serviço de cartas, sabe? Parece que deixaram acumular umas
aí, e ela veio destrinchar esse problema.
De repente, a carcereira grita o nome de
Larissa, a 10 metros de distância da socialite, de uma portinhola de ferro. Ela
se levanta e vai até o seu encontro:
Carcereira (bruta): - Bora, garota, Dra.
Manuela tá esperando você, anda.
Larissa segue por um corredor insalubre
e escuro, segurada pela carcereira. Corta para:
Cena 5: Saleta de Visitas / Interior / Manhã
A cela da Sala de Visitas é aberta. Lá
está a Dra. Manuela, a Delegada Substituta do Dr. Eduardo. Larissa é empurrada
pela carcereira, que fecha a grade com brutalidade. A Delegada se levanta,
estendendo a mão, indicando que a socialite se sente:
Dra. Manuela: - Quem diria. Esse mundo é
mesmo muito pequeno.
Larissa: - Dra., eu peço desculpas, mas,
eu não sou dada a ironias, se a Sra. pudesse adiantar o meu lado, eu vou poder
ou não sair hoje?
Dra. Manuela: - Felizmente, essa ironia
é saudável. E sim, eu autorizei a sua saída hoje, à tarde você já vai estar
liberada.
Larissa (emocionada): - Que ótimo, Dra.,
eu acho que há tempos eu mal conseguia (T) mal conseguia esboçar qualquer
espécie de sentimento e, essa notícia me deixou mais feliz. Eu já não pude
acompanhar meu filho quando ele comeu, ao menos nessa data eu vou conseguir
homenagear ele de algum jeito.
Delicadamente, a Delegada retira um
pequeno anel de plástico da jaqueta de couro e repousa sobre a mesa. Ele está
arranhado, desgastado pelo tempo. A câmera retorna ao rosto de Larissa, que, no
ímpeto de se levantar, retorna à cadeira, e observa o objeto:
Dra. Manuela: - Isso não te lembra nada?
Os dedos da socialite passeiam pelo
contorno do anel:
Larissa: - MANU?
Dra. Manuela (rindo): - Velhos tempos,
minha amiga!
Larissa: - Meu Deus, mas (T) eu não
estou nem acreditando, como? / (corta)
Dra. Manuela: - Depois que você se casou
com o Emiliano, o ponto da Rua Augusta não dava mais, sabe? E eu só estava lá
por que (T) por que eu não tinha muita escolha. Eu queria estudar, me formar na
faculdade. Mas (T) com que dinheiro? Ensino Superior era e continua sendo
artigo de luxo pra muita gente.
Larissa: - E você se tornou uma (T) uma
Delegada.
Dra. Manuela: - Pois é. E (segurando o
anel) guardei esse símbolo da nossa amizade. Lembra do casamento de mentirinha
que a gente encenou naquele terreno baldio? Corta para: “flashback on” –
Sequência de cenas / Rua Augusta / Bairro Cerqueira César / 1994 / Narração
atual – Larissa e Manuela, jovens, encenando um casamento de mentira.
Dra. Manuela: - A gente se gostava tanto
que chegou ao ponto de fingir que éramos casadas (rindo). E, acima de tudo, foi
um dos únicos momentos que eu lembro de ter visto um sorriso nos seus lábios. E
ele era verdadeiro, real. Corta para - Saleta de Visitas / Interior /
Manhã – “Flashback off”
Larissa (emocionada): - Eu estou (T)
praticamente sem palavras. Eu não esperava isso.
Dra. Manuela: - Mas eu (T) eu não vim
aqui só com boas notícias. Você já deve estar sabendo pelas detentas que o Dr.
Eduardo pediu exoneração, não é?
Larissa passa as mãos pelo rosto,
enxugando as lágrimas:
Larissa: - Sim, fiquei sabendo, mas, o
que adianta isso agora, Manu/ (corta)
Dra. Manuela: - Adianta que fui eu quem
instaurou um processo administrativo contra ele, Larissa. Eu vinha acompanhando
as diretrizes que ele vinha seguindo no teu processo, e ele não foi o único que
foi diligenciado de maneira errada. E eu presumo, de modo até mesmo
contundente, de que ela manipulou aquele vídeo que foi juntado nos autos do
processo.
Larissa: - E qual a motivação dessa
convicção toda, Manu?
A Delegada se aproxima de Larissa:
Dra. Manuela: - Eu não posso falar
agora, mas, se proteja. Toma cuidado, seja esperta. Esteja atenta, veja se tem
alguém te seguindo, porque, até o momento não encontramos o Dr. Eduardo pra se
manifestar. – Ela estende a mão sobre a mesa e entrega um maço de dinheiro
– Pega isso (T) e toma cuidado.
Larissa: - Obrigado (T) Eu vou saber me
cuidar.
A socialite se levanta, e antes de sair,
vira lentamente a cabeça:
Larissa (conclusiva): - Realmente esse
mundo é muito pequeno. E generoso, às vezes.
Takes alternados no rosto das duas.
Corta para:
Cena 6: Entrada da Penitenciária
Feminina / Exterior / Entardecer
Sonoplastia: “Elevação”, da Trilha
Instrumental de “A Força do Querer”
Larissa está do lado de fora da
Penitenciária, ainda com as roupas de presidiária. Ela segura o maço de
dinheiro na mão, à espera de um táxi. O céu está nublado e o vento deixo os
seus cabelos quase cobrindo os olhos. O táxi chega e ela ingressa no automóvel.
Larissa (indicando ao motorista): -
Direto pro Cemitério dos Protestantes, por favor.
O motorista assente e o automóvel dá a
partida. Em um determinado ponto do trajeto, Larissa interrompe:
Larissa: - Espera, moço eu (T) eu
preciso voltar, eu vou pra Avenida Angélica, eu vou parar uma esquina antes da
via principal, por favor. Eu pago a diferença.
No mesmo instante, ainda que com um
semblante desgostoso, o motorista assente e faz o retorno. No caminho, Larissa
se recorda das palavras da Dra. Manuela, e de uma conversa que teve com
Ronaldo: “Flashback on”
Mansão dos Silva / Interior / Quarto de
Ronaldo / Noite / 2018
Larissa e Ronaldo estão no quarto do
filho da socialite. Ela está limpando um ferimento em seu supercílio, com uma
gaze encharcada de soro, causado por Emiliano. O sangue pisado escorre pela
pele do garoto:
Ronaldo: - Você acredita em
pressentimento? Em (T) instinto?
Larissa: - Eu (T) eu acredito. Eu
acredito que ela não é falha. Quem é falho são os homens, os humanos.
Ronaldo: - Você tá falando de você e do
Emiliano?
Larissa: - É. (T) Eu pressenti que casar
com o teu pai ia ser como (T) como ganhar na loteria, e que de quebra o coração
dele vinha na cartela do prêmio. Mas, de repente, eu percebi que aquele homem
que tá no escritório era como um estopim, meu filho: bastasse uma faísca sequer
pra explodir e se revelar. Corta para:
Cena 7:Mansão dos Silva / Avenida
Angélica / Interior / Noite
Sonoplastia: “Tema de Norma –
Instrumental”, da trilha incidental de “Insensato Coração”
Larissa desce do táxi e tira o molho de
chaves que havia sido retido quando da prisão. Ela coloca a chave, mas percebe
que a porta já está aberta. Take em seu semblante, com sinais de estranhamento.
Ela ingressa na Mansão, coberta por uma penumbra, e empoeirada pelo tempo, sem
cuidado algum. De repente, ela vê uma luz que se movimenta, vinda da Sala de
Jantar. Parecem candelabros acesos. Junto à música, o som dos passos ecoados,
junto às batidas do coração. Uma imagem vai tomando forma: é Dr. Eduardo
Spiller, o Delegado que a acusara, e fizera da sua condenação, uma realidade. A
mesa está posta, muito bem ordenada, e ele está repousando uma travessa de
alumínio com tiras de carpaccio, em contraponto a um avental ensanguentado:
Dr. Eduardo: - Meu amor! Eu senti que
você viria.
Ele segue para dar um beijo em Larissa,
que se esquiva:
Larissa: - Mas o que é isso? Como você
entrou aqui?
Dr. Eduardo (rindo): - Oh, meu amor. Eu
preparei esse banquete, com seu prato preferido, e você me trata assim?
Larissa (enraivecida): - Eu não sou o
seu amor, e eu quero que você saia imediatamente daqui. Se quiser levar isso
também (caminhando até a mesa da sala de jantar) pode levar.
Dr. Eduardo, num rompante, segura
Larissa pelos braços:
Dr. Eduardo: - Essa casa não é só sua,
meu anjo. Aliás, ela nunca foi sua. E você sabe do que eu estou falando.
Larissa: - O que? Me solta, eu não estou
entendendo mais nada. Você já conseguiu o que queria, não? Acabar com a minha
vida, matando o meu filho e me convencendo a me entregar pra polícia.
Dr. Eduardo: - Acontece que eu não
usufruí cem por cento dessa versão da história. (T) Eu quero mais. Eu quero
você, assim como você foi minha durante todos esses anos.
Dr. Eduardo tenta agarrar Larissa, que
apanha uma faca de prata e corta o seu rosto, do olho até os lábios. Ele tenta
estancar tirando o avental da cintura. Larissa continua apontando a faca, agora
revestida pelo sangue do Delegado:
Larissa: - A gente se conheceu há pouco
tempo, e eu quero fingir que isso nunca (T) que isso nunca aconteceu. Por
favor, sai!
Dr. Eduardo: - Você ainda não entendeu,
não é, meu amor? Tantas reações que eu deixei passar, tantos motivos pra você
acreditar, e nada dessa cabecinha funcionar? Quem conheceria o teu prato
preferido (T) quem mais saberia lhe servir como uma princesa, que, aliás, você
foi tratada como uma durante todos esses anos?
Larissa (gritando): - Socorro!
Dr. Eduardo agarra Larissa fortemente
pelo pescoço e a arrasta até o quarto que era de Ronaldo. O sangue continua
gotejando do ferimento, enquanto Larissa tenta se livrar. Ao chegarem no local,
o Delegado empurra Larissa contra o chão, que quase bate com a cabeça. A câmera
foca em seus olhos. Eles tentam entender a situação, e analisam cirurgicamente
o quarto. Ela se recorda da noite em que discutiu pela primeira vez com
Emiliano, e em que ele a agrediu violentamente. De repente, seus olhos se
expandem. Ela se vira para o Dr. Eduardo e tenta se levantar, encostando-se à
parede:
Larissa (perplexa): - Em...Emiliano?
Não, meu Deus, não, eu estou surtando, isso deve ser um surto, uma psicose, ou
sei lá/ (corta)
Dr. Eduardo: - Finalmente a cretina
acordou! E (passando a mão sobre o ferimento do rosto) que merda você fez com
meu rosto, hein? Custou caro, viu? Mesmo que eu e o Dr. Eduardo fôssemos bem
parecidos, retalhar o rosto pra parecer com outra pessoa nunca é fácil.
Larissa: - O que?
Dr. Eduardo: - Pois é meu, amor, sou eu,
Emiliano, e com o “Figueiredo Silva”. Era eu todo esse tempo por detrás das (T)
das acusações, da falsa morte e o melhor: de ver a rainha, o peão e o rei se
“devorando” no tabuleiro. Foi um jogo muito divertido, eu confesso.
Larissa parte para cima de Dr.
Eduardo...ou melhor: de Emiliano. Corta para:
Cena 8: Mansão dos Silva / Quarto de
Ronaldo / Interior / Noite
Emiliano (segurando Larissa pelos
braços): - Isso, sua vadia, se segura em mim. Eu vou ser seu único alicerce,
seu porto seguro. Você só vai poder contar comigo, com o dinheiro, com o meu
corpo (T) com a minha alma!
Larissa se solta e tira os cabelos do
rosto, quase grudados pelo suor:
Larissa: - Isso não pode ser real, você
tá morto (T) o Emiliano tá morto.
Emiliano: - É real sim, meu anjo. E isso
não vem de hoje não. Isso vem de anos à fio, aguentando as tuas traições, que
não ficaram só na cama. Há um ano e meio eu já tinha começado a planejar a
minha morte, e sabia muito bem o que queria com ela. Eu pedi ao meu caro
colega, o Dr. Ricardo, que (T) que investigasse quem eram os Delegados das
Seccionais próximas daqui a vida de cada um, os trejeitos físicos e pessoais,
tudo. Até que/ (corta)
Larissa: - Até que você chegou no Dr.
Eduardo.
Emiliano: - Exato. O Eduardo era um
Delegado de vida pacata. Não tinha familiares, morava naquela casa muito bem
equipada, que você conhece muito bem. (T) Tudo caminhou pra que nenhuma
suspeita fosse levantada. E então, eu fui fazendo amizade com ele, conhecendo-o
melhor.
Larissa: - Que coisa doentia, meu Deus.
Emiliano caminha até o banheiro anexo ao
quarto, umedecendo o avental e tirando o sangue deste, voltando a limpar o
ferimento:
Emiliano (se olhando no espelho): - Até
que chegou a pior fase: (se virando para Larissa) a das cirurgias plásticas. Foram
diversas, inúmeras cirurgias feitas no Paraguai, e sempre com a mesma desculpa:
que eu estava viajando pra/ (cortado por Larissa):
Larissa (estarrecida): - Pra realizar
novas cirurgias plásticas que melhorassem a sua imagem como médico, por o rosto
perfeito era a alma da sua profissão.
Emiliano: - Até que a sua falta de noção
não afetou a tua memória. (T) Foram várias cirurgias, inúmeras, e todas muito
sutis e bem feitas, se atentando a cada parte do rosto do Eduardo. Já éramos
parecidos, então, digamos, que era como uma escultura que precisava de alguns
retoques. Ah, e claro, uma tireoplastia de brinde, pra ninguém reconhecer a
minha voz.
Larissa: - Então (T) aquele corpo que
estava no carro naquela noite/ (cortada por Emiliano):
Emiliano: - Era dele. O Dr. Ricardo
sempre foi um (T) um amigo de intimidade natural, e isso sempre adveio da nossa
personalidade mutuamente parecida. Ele também não aprovava a sua infidelidade,
e de prontidão aceitou o meu plano de forjar a minha morte e voltar como o
Delegado que faria da tua vida um inferno. Ele então assassinou o Dr. Eduardo,
com a devida segurança, incluindo o silenciador, e colocou o corpo naquele meu
carro, inclusive com pertences meus.
Larissa: - Então (T) então foi por isso!
No dia da sua (T) da sua “morte” o Dr. Ricardo foi até em casa dizendo que ia
de carro até o aeroporto buscar você, e eu dei permissão. (T) Meu Deus...
Emiliano: - Tudo fazia parte de um plano
muito bem calculado: no dia 13 de maio eu estava voltando de viagem, você
(cortado por Larissa):
Larissa: - Eu tinha discutido com você
um dia antes por que não estava conseguindo arcar com os custos dos empregados
e você não tinha deixado nenhuma reserva, a não ser aquela conta no Caribe que
ninguém tinha acesso a não ser o seu advogado.
Emiliano: - E então é que vem a cereja
do bolo: as provas. O dossiê da perícia do celular ia ser uma prova contundente
que você teve “mão” na minha morte, e as câmeras? (rindo) Foi a parte mais
extasiante. O Ricardo conseguiu contato com um contrabandista no Paraguai,
especialista em falsificação documental, “pra” esses bandidos que vivem fugindo
da Interpol. Ele contratou um serviço de confecção de máscaras, sob medida, e
algumas pessoas com o mesmo biotipo. Isso não foi lá muito difícil, afinal,
bastava vestir uma roupa parecida e ter o rosto captado pela câmera pra a prova
fosse suficiente por si só.
Larissa passa as mãos pelo cabelo e os
repuxa, até a nuca:
Larissa: - Isso é um delírio, Emiliano,
pra que tudo isso? Só por causa/ (corta):
Emiliano: - Não, Larissa, não foi “só”,
foi “tudo”. Eu depositei um sentimento em você que qualquer mulher deveria
honrar, e eu não admito em hipótese alguma ser traído, ainda mais no nível que
você se rebaixou. Mas, você continuou comigo, sua vadia, comigo e com o meu
dinheiro.
Larissa (se aproximando do rosto de
Emiliano): - Pois foi só por isso mesmo. Foi por causa do meu filho que eu tive
que te aturar durante todos esses anos, porque eu queria que ele tivesse uma
vida mais saudável e menos difícil que a minha! Só que com o passar do tempo eu
percebi que a minha intuição sobre você tinha errado, e que o seu prazer era se
satisfazer! Era ter alguém sob o teu poder, sob a tua guarda!
Emiliano levanta a mão para desferir um
tapa contra Larissa:
Larissa: - E sabe qual a melhor coisa de
tudo isso? É que eu estou me sentido vingada. Porque, é uma história tão
absurda e nojenta (T) um homem, bem estruturado, bem quisto pela sociedade, se
retalhar por causa de matrimonio falido?
Emiliano (gritando): - E de cuidar por
anos de um herdeiro que não é do mesmo sangue que o teu? É motivo pra você!?
Larissa: - NÃO! Seria muito mais honrado
da tua parte ter cuidado do Ronaldo com o mesmo carinho, mesmo sabendo que ele
não era o teu filho. E ele ainda morreu sem saber quem era o verdadeiro pai!
Não existe diferença entre filhos, Emiliano, mas você sempre foi segregou tudo,
mas isso não existe!
Emiliano: - Existe sim, Larissa. (T)
Existe quando o fruto de uma relação advém de traição, e mais (T) de um
sentimento muito mais puro do que o matrimônio legal.
Larissa: - Isso não justifica. (T) Nada,
absolutamente nada justifica os anos de tortura que eu tive que aguentar, as
marcas que eu ganhei no meu corpo e o sofrimento de ter um filho recorrendo ao
fumo e ao álcool pra se fechar num mundo onde toda aquela violência fosse uma
miragem!
Instala-se um silêncio entre os dois:
Larissa: - Acabou, Emiliano. Acabou.
Você me matou, e se matou. Você me matou, acabando com a vida do Ronaldo. Você
me matou marcando a minha pele com cada ano de sofrimento que eu passei ao teu
lado. E você se matou ao momento que teve que largar tudo o que você construiu
pra fazer da vida de alguém que tentou te amar (enxugando as lágrimas) porque
eu tentei te amar, mesmo já tendo conhecido o teu irmão, (T) pra se vingar de
um modo tão absurdo como esse.
De repente, ouve-se sirenes de viaturas
da Polícia em volta da Mansão. A cena mostra Dra. Manuela descendo de uma das
viaturas, com um megafone em punho:
Dra. Manuela: - Sr. Emiliano Figueiredo
Silva, sabemos que está recluso na mansão neste momento. Já temos conhecimento
da falsidade cometida pelo Sr., por isso, pedimos calmamente que se entregue,
antes de qualquer medida mais brusca da Polícia.
Emiliano começa a suar. De repente ele
agarra Larissa e a segura pelo tronco, tampando sua boca fortemente com as
mãos, ele desce as escadas e segue até o escritório onde sempre ficava recluso,
e apanha uma arma na gaveta da mesa de madeira. Ele segue até a porta de
entrada. A câmera foca em Dra. Manuela e os policiais, de arma em punho:
Dr. Eduardo (apontando a pistola): -
Sai! (T) Anda, sai! Eu quero um carro, eu quero um carro, senão eu atiro nela!
Dr. Manuela (apontando para os policiais
se acalmarem): - Calma Dr. Emiliano. Eu estive investigando o Sr. nos últimos
tempos, e eu já sei que o Sr. assassinou o Dr. Eduardo e fingiu se passar por
ele. O senhor cometeu diversos crimes, e se colaborar, só vai sair ganhando.
Emiliano se mostra destinado a sair do
local com Larissa e atira diversas vezes para o alto. Ele caminha até uma
viatura, com as portas abertas, e joga Larissa contra o banco do motorista,
sempre apontando a arma contra sua cabeça:
Emiliano: - Anda, sua vadia, corre!
Larissa dá partida, trêmula. Imediatamente
a Delegada e os outros policiais iniciam uma perseguição. Vários tiros são
disparados contra o automóvel, na tentativa de paralisar a fuga, e proteger
Larissa. Corta para:
Cena 9: Rodovia Anchieta – Marginal
Direita (SP – 150) / Exterior / Noite
A câmera passeia pelo automóvel. Larissa
continua presa ao volante, sob a mira de Emiliano:
Emiliano (debochado): - Me conta, meu
amor: porque você contou a mesma versão do crime que o Ronaldo me passou no dia
em que ele foi preso? Hein? Era remorso? Remorso de não ter tido coragem de se
separar de mim, não é? De ter ficado presa ao meu dinheiro.
Larissa: - Eu tive muito mais coragem do
que você pensa, seu cretino. Eu posso até ter tido remorso de ter mantido meu
filho sobre a tua violência insana, mas quando eu me vi sem o Ronaldo (T) eu
não tinha o porque de ficar livre. (T) Pra que? (T) Aquela versão da história
tinha sido inventada pelo Ronaldo, sim. (T) Ele queria ter uma carta na manga
pra me ajudar, pra me salvar. Eu só não esperava que em algum momento ele fosse
tentar usar isso, eu pedi pra que ele não fizesse isso.
Emiliano (sarcástico): - Que belezinha
(T) Puro sentimentalismo do mais fuleiro melodrama, não é? (T) E os dólares,
hein? Quem diria. Eu sabia de tudo desde o princípio, o Humberto sempre quis me
passar a perna. Pena que era cretino, idiota. Mais uma prova robusta pra
incorporar a sua lista de crimes (encostando a arma contra o rosto de Larissa).
Os policiais continuam seguindo a
viatura dirigida por Larissa, quando de repente, a Delegada atira. Em “slow
motion”, a câmera atinge o ombro de Emiliano. No mesmo instante, a arma cai
no chão do carro e Larissa pressiona o ferimento do cirurgião. A câmera sai do
foco interno do carro e volta ao lado de fora. O automóvel começa a ficar
desgovernando, indo de um lado a outro da rodovia. As viaturas tentam
ultrapassar, mas não conseguem. Nesse instante, a câmera foca apenas em um lado
do carro, que cai contra uma ribanceira, ao lado da Rodovia. O carro capota por
diversas vezes, e, em seguida, explode. A câmera continua focando no automóvel
e se distanciando. As viaturas param. A câmera retorna e foca em Dra. Manuela.
Seu semblante é distante. Emiliano e Larissa estariam mortos. Corta para “letreiro”
3 MESES DEPOIS
Cena 10: Ilha de Aruba / Caribe / Resort
/ Exterior / Manhã
A câmera passeia pelo Resort. Foco na piscina,
de onde sai uma bela mulher, vestida com um maiô amarelo. Não se mostra seu
rosto, apenas suas pernas e pés, que vão em direção a outra cadeira, onde
alguém repousa, com um jornal nas mãos, onde lê-se a manchete:
“Larissa Figueiredo Silva, badalada na High
Society, prova inocência; marido está vivo durante todo esse tempo”
De repente o jornal é abaixado e a
câmera foca no belo rosto: é Larissa, deitada à cadeira, tomando sol, vestida
num maiô avermelhado e plena, enquanto recebe um drink de uvas de Manuela. A Delegada
se senta ao seu lado:
Larissa (tomando o drink): - Sabia que
as uvas são a fruta da “sorte”? Se você comer doze na virada do ano, e fizer um
pedido a cada uma, cada mês do ano seguinte vai ser abençoado, sabia?
Manuela: - Superstições (T) Não acredito
muito nelas. Sou do time da “intuição”, do pressentimento. Nisso eu acredito.
Superstições são coisas que o povo coloca na nossa cabeça (T) a intuição não.
Larissa: - E foi isso que fez você não
me contar naquela visita que o Dr. Eduardo era o Emiliano?
Manuela: - De certa forma sim. Eu sei
que parece uma bobagem, mas (T) eu sempre conheci você muito bem, Larissa. (T) Não
é à toa que (rindo) quase “casamos” (fazendo sinal de aspas);
As duas riem. A câmera foca em suas
mãos, que se entrelaçam, carinhosamente:
Manuela: - Mas, eu já sabia de tudo.
Como eu te disse, não era só em relação a você que o Dr. Ed./ (corta) que o
Emiliano estava agindo de modo equivocado. (T) Os policiais e os juízes responsáveis
por outros processos haviam enviados diversas notificações pra Corregedoria,
mas quando analisei melhor a atuação dele, verifiquei que ele tratava do seu
caso de um jeito muito, mas muito diferente.
Larissa se levanta, e olha atentamente
para os olhos de Manuela:
Larissa: - Te confesso que ter implantado
aquela escuta na Mansão foi uma jogada de mestre. Ninguém iria acreditar
naquela vingança utópica que ele armou contra mim. (T) Se retalhar pra se fazer
passar por alguém, pra poder me incriminar? Você vê como isso é doentio?
Manuela: - E o mais irônico de tudo é que estamos aqui
com o dinheiro dele.
Larissa: - Dinheiro que sempre foi meu
de direito, mas que eu nunca tive acesso.
Manuela: - E pensar que ela estava o tempo
todo malocado na casa do Dr. Eduardo. (T) Casa que você visitou e se ferrou
ainda por cima.
Larissa: - Foi lá que saí do purgatório
definitivamente pro Inferno. (T) E tudo milimetricamente calculado.
De repente, Manuela passa os dedos sobre
o dorso de Larissa. Há uma cicatriz:
Manuela: - Dolorida ainda?
Larissa: - Um pouco. Eu não ia sair
ilesa daquela explosão. Até morrendo definitivamente o Emiliano não perdeu a
oportunidade de me deixar marcada.
Manuela se abaixa e beija carinhosamente
a marca de Larissa. A câmera acompanha seu rosto, que sobe e delicadamente
beija Larissa, apaixonadamente.
Manuela: - Eu te amo (T).
Larissa: - Eu também, meu amor. (T) E
dessa vez eu tenho certeza que minha intuição não vai estar errada.
Manuela se recosta novamente à cadeira.
A câmera começa a expandir a imagem sobre o rosto de Larissa. Sonoplastia:
Fogo e Gasolina, de Roberta Sá.
Larissa: - Sabe, Manu (T), eu nunca
escondi meu desejo de ver o Emiliano morto, mas nunca tive coragem o suficiente,
e tinha motivos mais concretos do que uma virtude pra fazer isso.
Mas...eu fiz. Ele morreu e virou cinzas.
Eu morri (T) e renasci delas.
A câmera vai expandindo no rosto de Larissa,
que a observa, com um olhar sedutor. Ao canto da tela, um letreiro:
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