Más Intenções - 02x01 (Estreia)

terça-feira, setembro 15, 2020


Capítulo 13
 “Faíscahs e Espoletah”

Criação
Megan Clarke

Roteiro
Megan Clarke e Isabela Ágata


Personagens deste capítulo:
Teresa – Manoela Aliperti
César – Chay Suede
Rodolfo – Bruno Guedes
Vânia – Adriana Esteves
Vicente – Igor Fernandez
Amanda – Taís Araújo
Denise – Gabriella Mustafá
Bráulio – Humberto Carrão
Flávio – Klebber Toledo

CENA 1 - MANSÃO BOAVENTURA / QUARTO TERESA / MANHÃ:
Instrumental: Aquele tango da Flora. (Até a cena 3). Câmera abre no rosto de Teresa, que está deitada, dormindo na sua cama linda e macia no seu quarto chique e aconchegante. De repente, ela abre os olhos.

CENA 2 - CLÍNICA PSIQUIÁTRICA / QUARTO / MANHÃ:
Corte para César que também desperta, mas num colchão duro e nem um pouco confortável.

CÉSAR: (olhando pro teto) Chegou o dia!

CENA 3 - MANSÃO BOAVENTURA / QUARTO TERESA / MANHÃ:
Teresa entrando no banheiro de seu quarto, trajando sua camisola branca de tecido fino. Ela vai até a pia, olha-se no espelho, amarra o cabelo e depois, mergulha a cara numa bacia de gelo. Rodolfo parado na porta do banheiro olhando toda aquela cena.

RODOLFO: Que porra é essa que você tá fazendo?

Teresa levanta a cabeça e o olha através do espelho.

TERESA: Imitando aquela mulher da novela.

Ela volta a mergulhar a cara no gelo.

RODOLFO: Se continuar enfiando a cara no gelo assim, a sinusite vem.

Ele vai até a cama dela, pega o celular e dá pause no Spotify. O tango da Flora para de tocar. Teresa revoltada.

TERESA: Porra, Rodolfo.

RODOLFO: Joga esse gelo fora e se arruma, a gente tem reunião de negócios daqui a 3h.

Rodolfo sai do quarto. Teresa se olha no espelho com a cara pingando e desacreditada que sua tentativa de imitar uma cena de novela foi interrompida.

CENA 4 - CLÍNICA PSIQUIÁTRICA / SAÍDA / MANHÃ:
César caminha pela grama, arrastando uma mala e acompanhado de uma mulher. No portão, Vânia espera o filho. Um segurança abre e César passa e dá um abraço apertado na mãe.

VÂNIA: Meu filho, que bom ver você aqui de novo! Não sabe como eu esperei por esse momento.

CÉSAR: Eu também, dona Vânia. (Se aparta do abraço) Mas não exagera que não passei 18 anos preso não.

VÂNIA: Ai, para com isso, eu só tô feliz. Já basta de sofrimento.

CÉSAR: Claro… Mas e então, vamos logo pra casa.

VÂNIA: Certo, deixa só eu chamar um Uber. - Tirando o celular da bolsa.

Ele suspira enquanto Vânia clica na tela do celular com lentidão.

CÉSAR: (impaciente) Oh meu Deus, me dá aqui, mãe. - tomando o celular dela - Desse jeito a gente vai é de jegue pra casa.

CENA 5 - UBER / MANHÃ:
César olha pro pulso coberto pela manga do moletom, enquanto toca nele de leve. Vânia olhando o celular.

CÉSAR: Por que me esperou do lado de fora?

VÂNIA: (ri) Aí filho, é que eu morro de medo de gente doida.

CÉSAR: Então você tem medo de si mesma?

VÂNIA: Não acredito que você tá me chamando de maluca.

CÉSAR: Você tem cara de maluca. Tem jeito de maluca. Fala feito maluca, grita feito maluca.

VÂNIA: Já entendi.

CÉSAR: Você tem medo dos seus outros filhos também? Porque gente normal nessa família não tem.

VÂNIA: É. Acho que não fez muito sentido esperar lá fora. Mas vocês são loucos medicados. Eu já tô acostumada.

CÉSAR: Lá na clínica também, mãe. Sabe como eu me senti quando vi você me esperando lá fora?

VÂNIA: Quem?

CÉSAR: A Flora saindo do presídio.

Eles começam a rir.  

VÂNIA: Credo, César, que comparação mais horrorosa.

O motorista para o carro no sinal. Ele olha para os dois pelo retrovisor.

MOTORISTA: Querem uma balinha?

VÂNIA: Tem maconha dentro, moço?

MOTORISTA: Hoje não, senhora.

VÂNIA: Então não, obrigada. (sussurra p/ César) Não gostei disso. Hoje não vou dar nenhuma estrela pra esse homem, onde já se viu oferecer bala sem maconha?!

CENA 6 - MANSÃO BOAVENTURA / SALA DE JANTAR / MANHÃ:
Teresa sentada na mesa tomando café numa xícara, Rodolfo lê o jornal por seu tablet enquanto olha pra irmã.

TERESA: Vai demorar pra essa reunião acontecer?

RODOLFO: Vai fazer algo importante hoje?

TERESA: Marquei de sair com a Denise.

RODOLFO: Pensei em dar um pulo na piscina depois da reunião.

TERESA: Pra morrer de hipotermia? Já viu o frio que tá fazendo lá fora?

RODOLFO: (olha para ela, sorrindo) Por isso mesmo. Adoro a frieza. (T) Tá lembrada que dia é hoje?

TERESA: Sábado?

RODOLFO: Claro que não, ridícula.

TERESA: Ué... todos os dias parecem sábado nesta cidade.

Ela pega a xícara do café para tomar.

RODOLFO: Hoje é o dia que abriram as portas do inferno. Melhor, do hospício. O doido do César tá saindo hoje.

Teresa fica pensativa.

TERESA: Sério?

RODOLFO: É... Eu estava pensando na gente contratar uns seguranças. O que acha?

TERESA: Pra quê?

RODOLFO: Depois do que aconteceu, não duvido de o César chegar na porta aqui de casa com um maçarico pronto para ameaçar a gente. Pior se vier gritando e fazendo escândalo, já que é típico de doido.

TERESA: Você adora aumentar as coisas né? Tudo bem que o que o César fez foi uma loucura, agora isso? 

RODOLFO: O que um ser humano com o coração partido não é capaz de fazer?! (Olhando o tablet) Mas nem me surpreendi. César sempre foi dramático. Deveria ser ator, fazer Shakespeare no teatro. Depois da morte da mulher e do filho, ficou mais dramático ainda.

TERESA: Não precisa dizer que o filho dele morreu. Eu dei folga praquela empregada figurante. Estamos só nós dois aqui.

RODOLFO: (lendo o jornal) Com a empregada aqui ou não, a gente tem que fingir que o filho do César está morto e enterrado. Para todos os efeitos quem sobreviveu foi o filho da morta-viva da Manuela.

TERESA: (pensativa) Será que o César vai superar isso algum dia?

RODOLFO: O que isso importa? Tô nem aí pro César. E você não tem que ficar pensando nisso também não. Depois das coisas que ele fez, eu quero mais é que ele se dane.


Ele continua a ler o jornal em silêncio. Teresa toma seu café, pensativa.  

CENA 7 - CASA DE VÂNIA / SALA / MANHÃ:
César conversa com Vânia, que terminou de passar um café e coloca a garrafa térmica em cima da mesa.

VÂNIA: Quer um pouco de café, meu filho?

CÉSAR: Foi você que passou?

VÂNIA: (fala calmamente) Você tá vendo outra pessoa aqui com a gente?

CÉSAR: Credo, que grosseria hein. Vou querer não. Prefiro outra coisa que não seja esse café com gosto de água de chuca.

VÂNIA: Você que sabe, se quiser faz aquele seu chá de boldo com gosto de mijo.

César levanta do sofá e senta na mesa junto com ela.

CÉSAR: Vem cá, eu queria saber uma coisa. A Teresa e o Rodolfo… como eles reagiram? Em relação a mim e tal.

VÂNIA: Se eu fosse você, esquecia da existência deles.

CÉSAR: Não precisa usar isso como desculpa para ocultar a verdade de mim, mãe.

VÂNIA: (respira fundo) Tá bem, César. Seus irmãos não se importaram. Pronto. Eu não queria te falar pra você não se sentir mal.

CÉSAR: (respira fundo) Pra falar a verdade nem estou. Já esperava por isso, só queria mesmo uma confirmação.

César diz que sabia de tudo, mas no fundo sentia-se extremamente magoado com a rejeição e falta de humanidade por parte dos irmãos. Esperava o mínimo de empatia que fosse da parte deles. Mas fazer o quê né mores, poderíamos esperar qualquer coisa de quem forjou um assalto, armou dois atentados, uma morte, um suborno, chantagem e troca de bebês, menos empatia.

CÉSAR: (solta um riso) De pensar que já fiz tanto por eles e sou retribuído dessa forma. Isso que dá, ser bom com quem não merece, a gente só toma no cu.

VÂNIA: Realmente. A gente só se fode. É que nem no sexo. A gente acha que tá mandando ver, quando vai ver é a gente que sai arrombado. Um horror.

Vânia toma o café.

CÉSAR: Nesse tempo que fiquei na clínica eu pensei bastante. Refleti sobre uma coisa. Fui tão bom pra eles e olha o que eu recebi em troca. Não só deles, mas da vida. Não sei se percebeu, mas até agora eu só me ferrei. E se você quer saber, eu cansei de fazer papel de trouxa, cansei de ser uma pessoa boa com quem não merece. Na verdade, eu acho que cansei de mim mesmo.

VÂNIA: Eu acho que você não precisa mudar a sua essência por causa de gente fodida. Bom. Só se for com as pessoas fodidas né.

CÉSAR: Mas se parar pra pensar, eu sou uma pessoa fodida. Pelo menos no contexto que eu tô agora. Então nesse caso eu mudaria por minha causa… não por causa de outras pessoas. Tô certo?

VÂNIA: (analisando, pensativa) Eu acho que sim… (ri) Isso aqui tá parecendo conversa de maluco… (segura o riso, pigarreando) Sem ofensa. (levanta) Bom, eu vou no mercado.

Ela vai até César e dá um beijo na testa dele.

CENA 8 - MANSÃO DE AMANDA / SALA DE JANTAR / MANHÃ:
Duas empregadas arrumam uma mesa enorme, cheia de pratos, talheres, taças e alguns toques refinados. Amanda anda de um lado pra outro pela casa com um telefone na mão enquanto observa a mesa.

AMANDA: (cont.) Não, não, onde já se viu os talheres em cima dos pratos? Eles ficam dos lados, já falei sobre isso. Cadê as aulas de etiqueta que dei no primeiro dia de vocês aqui? Mas que porra, eu tenho que fazer tudo nessa casa? Vou terminar louca desse jeito.

As empregadas ajeitam os talheres. Denise desce as escadas.

DENISE: Bom dia, pessoal. Tia, que agitação é essa?

AMANDA: (se vira) Oi, meu bem. Tô organizando um almoço.

DENISE: Ah, aquele almoço lá pro tal do filho da sua amiga, tô lembrando agora.

AMANDA: Você vai ficar e aproveitar conosco? Seria bom ter sua presença.

DENISE: Não sei… Depende de quem vem pro rango, tia. Não tô muito a fim de muita gente.

AMANDA: Só vem a Vânia e o César mesmo.

DENISE: Esse tal de César não é aquele doido lá, que tava internado num hospício?

AMANDA: (repreende) Denise, olha como fala das pessoas, minha linda. Ele não é doido, só passou por momentos ruins e teve que se afastar pra ficar bem.

DENISE: Minha linda, um caralho. Já falei que não gosto que me chame assim. E quem aqui não sabe que ele surtou?

AMANDA: Quem nunca, né meu bem? Vai me dizer que você é tranquila sempre?

DENISE: Tranquila não, mas sou… sou… Ah, sei lá o que eu sou, não vem com essa não.

Vicente chega na sala, andando devagar, com sono e desarrumado.

VICENTE: Oi, dona Amanda, Denise.

AMANDA: Oi, meu amor, bom dia. Acordou agora pelo visto né? A noite foi boa?

VICENTE: Foi legal até. Nada demais. (T) Que dia é hoje pra mesa tá tão arrumada assim? Natal?

AMANDA: (ri) Não, é o almoço especial pra comemorar a volta do César.

VICENTE: Ah, não sabia… (dando atenção pro celular) Ele sai hoje do hospício?

AMANDA: Vicente…

VICENTE: O que? O cara endoidou, Pedra das Flores inteira sabe disso.

AMANDA: Eu vou ter que falar a mesma coisa que disse pra Denise? Eu não quero ver confusão na hora do almoço por palavra errada de vocês hein.

DENISE: Bom, com isso você não tem com o que se preocupar porquê eu tô saindo, beleza? Volto mais tarde quando tiver paz.

VICENTE: Me espera que vou sair também, sua sapatão.

AMANDA: E aonde vai, posso saber? Já ficou a noite toda fora.

VICENTE: Qualquer coisa, menos ficar pro show de falsidade. (p/Denise) Vou me arrumar e já saímos.

AMANDA: Eu não terminei ainda de fa…

Eles já saíram.

AMANDA: Não tem jeito.

CENA 9 – MANSÃO BOAVENTURA/ ESCRITÓRIO/ MANHÃ:
Rodolfo sentado na cadeira do escritório enquanto olha os desenhos no papel que Flávio lhe mostra. Teresa ao lado de Rodolfo, observa.

FLÁVIO: Olha aqui, esse é o projeto que o arquiteto me mostrou. Ele não pôde vir, infelizmente, disse que está no hospital depois de comer uma torta de camarão.

RODOLFO: (olha p/ele) Ele é alérgico? (volta a olhar p/desenho) Bem, não me importo, o projeto estando em nossas mãos tá ótimo. Falta a gente discutir sobre as cores. Ainda tenho um encontro com o designer de interiores. Eu faço questão de escolher a cor preta.

TERESA: Preto? Eu tinha pensado em branco.

RODOLFO: Meu bem, isso é uma casa noturna e não o quarto branco do BBB.

FLÁVIO: Como sócio eu voto em azul marinho.

TERESA: Eu voto em uma parte rosa e outra azul. Acho que seria ótimo ter essas diversidades de cores, já que diversidade é a palavra que define o nosso público alvo.

RODOLFO: Nós vamos receber gays, viados, putas, sapatonas, héteros, héteros curiosos, trans, drags. A gente não pode colocar rosa e azul como se a nossa boate fosse o ponto de encontro da ministra Damares com o presidente da República. O objetivo é atrair pessoas e não espantar.

TERESA: Ótimo Rodolfo, então você tem uma ideia melhor?

RODOLFO: Continuo com o meu preto.

FLÁVIO: Que tal preto azulado?

Teresa e Rodolfo surpresos, olham para ele.

TERESA: Eu acho perfeito.

RODOLFO: Eu acho excelente.

Rodolfo recolhe os papéis e os coloca em uma pasta.

FLÁVIO: Vocês já estão sabendo? O César saiu da clínica hoje.

RODOLFO: É, notícia ruim corre rápido na boca do povo.

TERESA: Você já se bateu com ele hoje?

FLÁVIO: Ainda não.

RODOLFO: Quando for, melhor ir com uma escolta policial, vai que... (ele ri)

FLÁVIO: (sério) Não tem graça.

RODOLFO: (para de rir) Desculpe, as vezes esqueço que vocês ainda são amigos.

FLÁVIO: (dá meia volta) Eu vou indo. (e vai saindo)

TERESA: Eu te acompanho. (p/Rodolfo) Eu vou pro encontro que eu te falei, mais tarde a gente se encontra, tá? Beijinho.

Ela sai do escritório.

CENA 10 - MANSÃO DE AMANDA / SALA / TARDE:
A campainha toca. Amanda se vira e ajeita seu vestido pela última vez em frente a um espelho. A empregada vem correndo da cozinha.

AMANDA: (falando sozinha) Senhor, que ninguém tenha um surto hoje. Minha casa é perfeita demais pra virar alvo de fofoca. Bate na madeira, amém!

A porta é aberta e Amanda vai na direção de César e Vânia, que transborda inveja, observando toda a casa como se nunca tivesse entrado lá antes.

VÂNIA: Amanda, minha amiga querida. Quanto tempo!

AMANDA: (ri) Não exagera, só faz alguns dias que nos vimos pela última vez.

VÂNIA: Pois é né. Mas aqui o tempo passa tão depressa que eu acho que não estamos mais em 2020.

AMANDA: Nem fala, amiga. Ainda bem que nesse fim de mundo não chegou esse tal de corona.

VÂNIA: Lugar fora do mapa dá nisso, graças a Deus. (sorrindo) E hoje estamos comemorando a saída do meu filho adorado.

AMANDA: Finalmente!

Amanda se afasta e vai em direção a César, dando um abraço apertado nele, que fica sem jeito. Vânia continua observando toda a casa.

AMANDA: Bem-vindo de volta, meu lindo! Fico feliz em te ver de novo e tão… tão bem assim.

CÉSAR: Obrigado. É preciso tocar a vida de qualquer jeito, né. Tô aqui pra mostrar que é possível fazer isso sem mudar de nome e de rosto.

AMANDA: Sim, com certeza. E depois dos meses que você passou lá na clínica, é preciso mesmo, a gente deve refletir muito. Um lugar bem convidativo, uma verdadeira introspecção da nossa vida, né.

VÂNIA: Nossa, amiga. Eu não sabia que você já esteve em um hospí… digo, numa clínica antes.

AMANDA: Eu? Ah, não. Sempre fui muito bem atenta aos psicólogos, não esqueça que sou advogada. Só que essa casa dá uma dor de cabeça enorme, os empregados nem se falam… Mas enfim, vamos sentar?

CÉSAR: (olha o relógio) Ah, eu tenho que tomar meu remédio.

AMANDA: (ri) Ah sim. (apontando p/ empregada) Aquela criatura ali vai trazer um copo d‘água pra você.

CENA 11 - COFFEE / TARDE:
Corte para um local bem climatizado, arrumado com mesas por todos os lados, algumas pessoas conversando e outras rindo enquanto tomam um pouco de café. Vicente e Denise entram. Ele olha pra todos os lados como se procurasse alguém.

DENISE: O que foi, viado? Você tá balançando esse pescoço pra lá e pra cá o tempo todo como se fosse uma galinha.

VICENTE: Me erra, Denise. Tô vendo se encontro algum homem bonito pra dar em cima, tenho que me distrair por um bom tempo até aquele povo se mandar lá de casa.

DENISE: Vocês não cansam de viver de macho e de pau, não?

VICENTE: Cala a boca. Sua vida é chupando buceta e colando velcro, então menos.

Eles se aproximam de uma mesa, puxando as cadeiras e se sentam. Vicente continua olhando enquanto Denise pega o cardápio.

DENISE: Vamos pedir alguma coisa pra comer. Não forrei o estômago ainda nessa porra, tudo por causa daquela arrumação lá em casa.

CORTA P/: Teresa entre no local, tirando os óculos escuros, guardando-os na bolsa. Ela tira o celular dela e desbloqueia, procurando o contato de Denise, ligando.

TERESA: Porra, cadê você? Resolveu furar o encontro?

DENISE: (off) Olha pro lado, bicha cega.

Denise acena com uma das mãos e Teresa desliga. Vicente se vira e dá de cara com ela, que se aproxima aos poucos com um sorriso no rosto, desfeito após perceber que ele estava na mesa com a prima. Denise afasta uma cadeira e Teresa senta. Ele vira o rosto ignorando a presença dela.

TERESA: (cumprimentando-a) E aí, safada? Tava com saudades de te ver por aí.

DENISE: Você que sumiu daqui, não atendia minhas ligações e nem respondia minhas mensagens.

TERESA: Tava viajando. Fui passar um tempo no Nordeste, visitando algumas praias, até mesmo Tambaba. Mas eu tive que voltar por causa desse inferno de pandemia.

DENISE: Tambaba não é aquela lá de nudez? Sou doida pra conhecer esse tipo de local.

TERESA: É, essa daí mesmo, na próxima te chamo pra participar de umas festas lá. Você vai adorar.

Vicente, que apenas observava impaciente toda a conversa, resolve abrir a boca.

VICENTE: (fingindo) Oi, Teresa. Tudo bom com você, amiga? Comigo está tudo ótimo, como tem passado?

Teresa para de falar e olha pra outro lado, Denise percebe o clima.

VICENTE: Já conseguiu um amigo novo? Qual o nome? É rico? Se for, não esquece de esconder dele que seu irmão que é gay tá noivo de uma mulher chamada Lara.

Ela continua ignorando e Vicente fecha a cara, bufando de raiva.

VICENTE: Acha que pode chegar aqui e muito bem me ignorar, sua vaca? É assim?/

TERESA: (interrompe) Eu vou no banheiro, Denise. Olha minha bolsa e não deixa nenhum rato chegar perto dela.

VICENTE: Mas você é uma rata, virou seletiva agora? Tenho pena dos ratos feios, não era essa Teresa que eu conhecia.

TERESA: (respira fundo) Olha, eu vou ser bem direta com você, Vicente. Me surpreende chegar num local pra me encontrar com sua prima, você estar nele, perceber que eu não quero conversa, e do nada vir me soltar gracinhas. É bem contraditório pra quem decidiu parar de falar comigo por uma coisa que não deixou nem me explicar, ao menos. Então para de querer aparecer e me esquece.

VICENTE: Que lindo, ela resolveu me responder e ainda foi com um textão! Parabéns, ridícula. Falsa. É assim que eu chamo quem esconde do ex-melhor amigo algo que magoou ele e que por curiosidade, esse alguém foi você. Isso não tem perdão, não é amizade de anos que me faz mudar de ideia, não sou de passar pano pra qualquer coisa, eu tenho consciência.

DENISE: Para com isso vocês dois. A gente tá em público, porra. Querem ir parar nos vídeos da semana? Chega. Bate boca na rua ou em casa.

TERESA: (ignorando-a) Ah, fala sério. Você sabia de muita coisa que eu ia fazer contra a Manuela e quer falar de não passar pano pra qualquer coisa? Me poupe, já foi melhor em dar desculpas.

VICENTE: É que eu era um idiota, um tosco de não perceber quem você é. Uma vadia mimada e sonsa. Achava que estava fazendo um bem, quando na verdade estava ajudando as pessoas a se afundarem. Eu me arrependo muito de ter conhecido e convivido com esse horror de pessoa que você é.

TERESA: É mesmo? Não é o que parece. Pra quem amava aprontar umas comigo, tá interpretando bem esse papel chinfrim de santo do pau oco. Na real? Pode parar porque tá ridículo.

VICENTE: Escuta aqui, a minha paciência tá pouca hoje e tá se esgotando com quem não merece, então presta atenção no que eu vou dizer. Não me dirige mais a palavra! Se me ver na rua, muda de calçada, atravessa, se joga na frente de um carro, qualquer coisa, mas não fala mais comigo que eu tenho pavor de gente hipócrita, dissimulada e ridícula feito você.

TERESA: Ótimo, adorei a conclusão da sua redação do Enem. Fez uma ótima prova. Te vejo no ano que vem se não for reprovado por tanta falta de senso.

Ele se levanta, tirando algumas notas da sua cadeira e deixando em cima da mesa. Denise se levanta.

DENISE: Ei, onde vai? Vem cá.

VICENTE: Indo pra rua, sabe onde fica? Então não enche. Aproveita a tarde aí com a vadia micha da sua nova amiga. Vocês têm tanto o que conversar que eu não quero incomodar ninguém com minha "falta de senso". Esse dinheiro na mesa é pra pagar o café ou dar de esmolas pra qualquer um, menos essa aí que merece morrer de fome na sarjeta.

Vicente vai embora, deixando Denise em pé, que olha pra Teresa e respira fundo.

DENISE: Tá vendo o que você fez? Caralho, não perde tempo pra perturbar os outros!

TERESA: Eu? Ele começou a me atacar do nada.

DENISE: E você respondeu!

TERESA: Ué, e eu tô errada? Ah me poupe de mais sermão que eu tô aqui pra conversar e não pra ver mimimi de garoto chato que não se manca das coisas.

DENISE: Coisas que você fez, corrige isso aí porque a culpa não é dele não. (sentando de novo) Mas vamos esquecer isso, eu tô com fome e não quero perder mais tempo em briga de duas vadias idiotas.

TERESA: Vadia é quem me chama.

CENA 12 - MANSÃO DE AMANDA / SALA DE ESTAR / TARDE:
No sofá, estampado de couro legítimo, estão sentadas Vânia e Amanda, conversando. César estava sentado na frente delas, olhando algo no celular.

VÂNIA: (cont.) E você se lembra quando teve uma festa aqui onde aquela primeira dama metida que veio de fora descobriu que o marido colocava chifre nela com a secretária?

AMANDA: (ri) Queria não lembrar, mas lembro sim, muito. Até você estava morrendo de dor no pé por causa do salto, mas eu te segurei na festa pra ver o desfecho.

VÂNIA: (ri) Pior que eu nem lembro mais como terminou, só sei que a polícia chegou e não ficou ninguém no lugar, todo mundo se enfiou onde só Deus sabe.

AMANDA: Qual ano foi aquele?

VÂNIA: Acho que foi em noventa e sete, noventa e seis. Só lembro que eu nem era mãe ainda nessa época.

AMANDA: Filho muda a gente né? Acaba com o tempo pra ir em festa, pra transar, pra ir no salão ajeitar as unhas, os cabelos, tudo.

VÂNIA: Comigo isso foi diferente. Meus filhos eram ótimos, quietos, comportados. Eu podia ir nas festas tranquilamente enquanto eles ficavam com o pai. Pena que tudo mudou depois que eu tive o que chamamos de apagão de memória há uns vinte anos.

AMANDA: Ué, apagão de memória? Que história é essa, Vânia?

VÂNIA: Amanda? Eu tô falando do nascimento daquele satanás de garota lá, que recebeu nome de uma santa, mas que não é uma.

César vai passando as fotos no celular, até que vê uma que tem ele e Camila no centro cirúrgico do hospital, junto com seu filho que havia acabado de nascer. Os olhos dele enchem de lágrima. Ele levanta do sofá e vai caminhando aos poucos pela casa sem rumo. No mesmo instante, Vicente entra em casa cheio de ódio, mas trata de disfarçar sua raiva quando percebe a presença de Vânia.

AMANDA: Filho, já chegou? Pensei que fosse passar a tarde fora com sua prima.

VICENTE: (fingindo) É, mas meu celular descarregou e eu preciso dele pra falar com alguns amigos.

AMANDA: Ah sim. Estávamos colocando o papo em dia aqui, parece que faz séculos que não nos vemos.

VICENTE: Pois é, acontece mesmo. (T) Oi, dona Vânia. Como vai?

VÂNIA: (sorri) Oi, meu bem. Estou muito bem, melhor impossível. E você?

VICENTE: Mais do mesmo, apenas curtindo o que a vida tem pra oferecer: caras que se dizem héteros, mas que só pegam gays.

VÂNIA: (sem jeito) Que bom né, aproveita muito. Não perde tempo porque depois que fica velho é péssimo.

VICENTE: Verdade, por isso as coroas vivem relembrando os tempos passados. Agora se me derem licença... (vai saindo)

AMANDA: Espera, meu amor. – Ele volta - Onde está sua prima? Achei que vocês fossem ficar juntos.

VICENTE: Eu e a louca da Denise? Não viaja, dona Amanda.

AMANDA: Ah, pensei que estivesse só os dois. Desculpa perguntar.

VICENTE: A Denise tá muito bem acompanhada, tá do lado da filha da sua amiga, a madre Teresa de Calcutá.

VÂNIA: (surpresa) A Teresa? (ri) Nossa, eu não sabia que aquela menina mudava de opção sexual tão rápido assim. (para Amanda) Cara de sapatona ela já tem né?

VICENTE: (ri) Não é o que cê tá pensando não, elas estão apenas colocando os papos em dia, são besties agora. Como eu percebi que estava incomodando, nada mais cult do que se retirar.

VÂNIA: Ah, entendi. Como sempre ela com amizade que não presta.

VICENTE: Pois é, eu bem que tentei avisar, mas não deu certo. Felizmente hoje me livrei de andar do lado de traficantes e assassinos. (T) Bom, acho que vou lá fora. Tchau pra vocês.

Ele sai. Vânia o acompanha com os olhos até que ele some de sua vista.

VÂNIA: Menina, eu tô horrorizada com o que seu filho acabou de dizer sobre a Teresa. O Genésio deve estar se revirando naquele caixão igual o pião do Sílvio Santos.

AMANDA: Mulher, não perde tempo pensando em quem não merece, deixa ela. Você fez seu trabalho como mãe, ela que quis seguir esse caminho.

VÂNIA: Já já ela coloca uma boca de fumo em Pedra das Flores e faz promoção de pedras de crack, vão ser cinco por um real. Eu conheço aquela peste muito bem.

AMANDA: Bate na madeira, que Deus é grande e Maria também. Repreende em nome de Cristo.

VÂNIA: (estranha) Afinal, você é o quê? Católica, cristã, militante?

CORTA P/ COZINHA: Algumas empregadas terminam de preparar petiscos e enchendo taças com vinho. Ele chega perto da bancada e pega um antes que alguém veja.

CENA 13 - MANSÃO DE AMANDA / JARDIM / TARDE:
César está parado numa varanda, pensativo, olhando o jardim sendo molhado pelo regador automático. Vicente vem saindo de dentro da casa, indo até ele, com calma.

VICENTE: Olá César.

CÉSAR: (continua a olhar pro jardim, sem muito entusiasmo) Oi.

VICENTE: Aproveitando o frio? (tomando um gole de vinho) Soube que teve alta do hospício hoje, parabéns.

CÉSAR: (olha para ele) Não era hospício. Era uma clínica psiquiátrica.

VICENTE: (ri) Cobra e serpente também são duas palavras que têm o mesmo significado você sabia?

CÉSAR: É verdade o que andam dizendo por aí? Que eu surtei?

VICENTE: E não surtou?

CÉSAR: (saindo) Já vi que você não é a melhor pessoa pra falar sobre este assunto.

VICENTE: (entra na frente dele) Ei, espera aí. Foi mal tá? Eu não sabia que falar sobre esse assunto te ofendesse tanto.

CÉSAR: (sério) Pois é. É muito bom falar por aí que uma pessoa surtou como se isso fosse engraçado. Eu não surtei, tá bem?

VICENTE: Desculpa. É que eu não consigo levar a sério quando alguém chama o outro de louco ou maluco… Mas… Se você não surtou, então por que você ficou meses internado numa clínica? Sua mãe nunca contou o real motivo pra gente, sempre ficava enrolando, inventando desculpas...

César levanta a manga do casaco e mostra uma cicatriz no seu pulso, deixando Vicente sem reação.

CÉSAR: Foi esse o motivo.

Vicente olha para ele, chocado.

CÉSAR: Agora você pode sair falando por aí que eu tentei me matar. Se as pessoas rirem, você pode dar um pirulito como prêmio pra elas, que tal?

VICENTE: (chocado) Meu Deus, eu não sabia… Me perdoa, César. Eu realmente não sabia…

CÉSAR: Ninguém consegue levar a sério quando alguém passa por problemas porque não sente na pele o que o outro tá sentindo. Se fosse você perdendo a sua mulher e o seu filho ao mesmo tempo o que você faria?

VICENTE: (pensativo) Pra ser sincero, eu acho que nada. Até porque eu não gosto de mulher e nunca vou querer ter um filho… Mas se eu perdesse alguém que eu amasse… alguém que eu amasse tipo muito… (T) Eu acho que teria feito a mesma coisa. Eu acho que não ia suportar. (olha para o regador molhando o gramado) Mas a vida continua né? A gente precisa seguir.

César olha para ele, depois desvia seu olhar para o regador no jardim, chegamos mais perto, vemos as formigas sendo molhadas pela água… Close no olhar de César.

CÉSAR: (pensativo) É, a gente precisa seguir...

CENA 14 - PEDRA DAS FLORES / STOCK-SHOTS / ANOITECER:
Ruas movimentadas, pessoas na praça, crianças brincando nos parquinhos, casais héteros, gays, lésbicas passeando/namorando, trânsito leve. Close no pôr do sol ao longe.

CENA 15 - MANSÃO ALBUQUERQUE / NOITE:
A campainha toca. Evódia, a empregada figurante, vai atender.

CÉSAR: Boa noite.

EVÓDIA: (surpresa) César, entra.

CÉSAR: O Bráulio, tá aí?

EVÓDIA: Tá lá em cima.

CÉSAR: Posso subir e falar com ele ou você vai me tratar como um extraterrestre que nem todo mundo tá me tratando?

EVÓDIA: Imagina. Fique à vontade.

César dá um sorriso forçado e sobe as escadas sob o olhar dela.

CORTA PARA O QUARTO DE BRÁULIO:
Um bebê de aprox. 6 meses está deitado de bruços na beira da cama. Bráulio está no banheiro.

BRÁULIO: (off) Fica quietinho aí hein filho? Papai já tá indo.

O bebê vai se aproximando cada vez mais da beirada da cama. César bate na porta, percebe que está entreaberta e vai entrando olhando para todo o cômodo, até que seus olhos batem no bebê, que está prestes a cair da cama. César corre e consegue pegá-lo antes que ele caísse no chão.

CÉSAR: (sorri aliviado, olhando pro baby) Só podia ser meu sobrinho mesmo. (o bebê ri) Você ri, mas quase bate a cabeça no chão né?

Bráulio sai do banheiro.

BRÁULIO: (surpreso) César?

CÉSAR: Cara, como é que cê deixa essa criança sozinha aqui? Ficou doido?

BRÁULIO: Eu só tinha ido no banheiro lavar as mãos.

CÉSAR: Sabia que ele quase caiu da cama?

BRÁULIO: (indo pegar o bebê) E você salvou? (com o baby no colo) Valeu.

César senta na ponta da cama.

CÉSAR: Tem que tomar mais cuidado, eu quase morri de susto.

BRÁULIO: É que eu tô com a cabeça a mil, sabe? Manuela naquele estado que você sabe. Eu tô cuidando sozinho do hospital desde o dia que minha mãe resolveu viajar, enfim. Minha vida tá uma loucura que você nem imagina.

CÉSAR: E o bebê fica com quem durante o dia?

BRÁULIO: A Evódia toma conta dele pra mim.

CÉSAR: Mas você não acha que é muito trabalho pra empregada não? Cuidar dele, arrumar essa casa toda, fazer a comida.

BRÁULIO: Falando assim parece até que é a única empregada dessa casa.

CÉSAR: Mesmo assim né, Bráulio. Acho que é melhor você arranjar alguém pra cuidar do seu filho, desse jeito que tá não pode ficar.

BRÁULIO: Eu vou pensar nisso. Mas e você? Tá melhor depois que aquilo aconteceu?

CÉSAR: Tô sim, graças a Deus. Tô melhor agora né, (brinca com o bebê) com essa coisa fofa aqui na minha frente. (ele pega o bebê no colo e fica analisando-o) Ele é tão lindo né? Parece comigo quando era bebê.

BRÁULIO: (ri) Você acha? Minha mãe diz que o Cassiano não tem nada a ver comigo.

CÉSAR: É só ver uma foto minha quando era assim e comparar. Mas também, ele tá bebezinho ainda, vai crescer e ficar metade Manuela, metade você.

Eles riem.

CÉSAR: Você tem muita sorte sabia? Dá um jeito de passar mais tempo com seu filho… Você não sabe o que tá perdendo. (brincando com o bebê) Agora o tio vai ter que ir embora que ele tem que descansar. (entrega para Bráulio) Eu tive um dia cheio.

BRÁULIO: Imagino. Vai lá. Passa aqui amanhã pra gente conversar. Vou tirar um dia de folga.

CÉSAR: Claro, venho sim. Tchau.

César sai. Bráulio fica sozinho com o bebê, mas começa a sentir um cheiro estranho.

BRÁULIO: Nossa… (olha p/ele) Agora você caprichou hein?

CENA 16 - PEDRA DAS FLORES / NOITE:
Teresa está caminhando pela rua quando seu celular toca.

TERESA: Oi, você tá aonde? (olha para uma direção) Esquece, já te vi.

Ela desliga e continua andando. César vêm na direção oposta com o celular no ouvido.

CÉSAR: Já chego em casa, mãe. Pode deixar que eu faço o café que é pra ninguém morrer envenenado. (encerra a chamada)

Teresa encontra-se com Rodolfo, que está encostado no carro.

RODOLFO: Que demora.

César vêm mexendo no celular e esbarra neles. O celular cai no chão e ele abaixa para pegar.

TERESA: Ei, olha por onde anda.

CÉSAR: (pegando o aparelho) Desculpe. (levanta e olha p/ eles; fica surpreso)

RODOLFO: (surpreso) César?

Os três se encaram, surpresos, chocados, passados, engomados.

(Continua…)

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