O Guarda-Chuva Rosa- Capítulo 03
quarta-feira, abril 03, 2019
O
Guarda-Chuva Rosa
Capítulo
3
Cena 1/Cortiço/Casa de Johanna e
Ednna/Cozinha/Interior/Dia
Continuação da cena anterior:
Brigitte: A
Top Model explodiu.
Johanna: O
que? Está brincando comigo, menina? Tomou seus remédios, Brigitte? Olhe lá,
hein menina, eu não tô com cabeça pra esses seus devaneios...
Brigitte: Não
estou louca, senhora! Ligue a tevê se não confia em mim, a sua empresa foi
pelos ares!
Johanna pega o controle
remoto das mãos de Ednna e liga no canal de notícias.
Repórter:
...A manhã do dia de hoje foi marcada por uma terrível tragédia. O prédio
comercial da empresa “Top Model” sofreu uma grave e grande explosão na
madrugada de quinta para sexta, durante as festas municipais. Até agora, a
perícia suspeita que a causa da explosão seja um vazamento num bujão de gás. A
proprietária
Johanna Cabello ainda não chegou ao local.
Mais notícias durante os nossos intervalos comerciais...
Johanna desliga a tevê, e
senta-se bruscamente no sofá, muito pálida.
Johanna: Santo
Deus, não pode ser verdade.
Brigitte: Eu
passei hoje lá...
Johanna: E...?
Brigitte: A
situação está crítica. Ouvi rumores de que a estrutura do prédio foi
corrompida. Ele pode desabar a qualquer momento.
Johanna: A
qualquer momento?!
Brígida: Acalme-se,
senhora Cabello, poderemos dar um jeito ni...
Johanna: Que
mané jeito! Se o meu prédio vai tombar, eu vou lá pegar as minhas coisas!
Brigitte: (Alarmada:)
Péssima ideia! O prédio está comprometido, ele pode ir ao chão com qualquer movimento
errado!
Johanna: Já
enfrentei peruas piores. Eu vou na minha propriedade e vou pegar tudo o que eu
deixei lá! Brigitte, chame o táxi, vou para a Top Model.
Brigitte: Ah...dona
Johanna...
Johanna: O
que é agora, criatura? Será que até isso eu vou ter que fazer, já que você não
tem competência?!
Brigitte: De
maneira alguma, dona Johanna.
Johanna: Então?
Brigitte: É
que nós estamos falidas. Não tem dinheiro pra táxi.
Johanna: (Joga
um copo de vidro na parede:) Inferno! Como eu vou pra Top Model?!
Ednna: (Ednna
entrega fichas para Johanna:) Aqui, querida.
Johanna: Isso
aqui é uma espécie de dólar? O que é isso?
Ednna: Se
chama “vale transporte”, serve pra pegar ônibus.
Johanna: Como
é? (Ri:) Só você mesmo, cascavelzinha. Cê acha mesmo que Johanna Cabello vai se
rebaixar a ponto de se misturar com a gentalha carioca num cubículo de metal
ambulante?!
Ednna: Ou
é isso, ou vá a pé. Apresse-se, querida, o busão já tá passando.
Johanna: Cascavel.
SSHHH.
Quando está saindo de casa,
Johanna dá de cara com Yasmin, que, ansiosa, lhe dá um susto.
Yasmin: Dona
Johanna!
Johanna: (Dá
um grito de pavor:) AAAAH. Santa madre! (Ela deixa a ficha cair escada a
baixo). Sua diaba! Olha o que você fez!
Yasmin: Me
desculpe o incômodo, dona Johanna, mas tenho que te falar uma coisa!
Johanna: (Impaciente:) Pois veja só, meu bem, vai ter que
ficar pra outro dia, eu estou ocupada.
Yasmin: Não,
não! A senhora não entendeu, eu quero um emprego!
Johanna: Um
emprego? Veja só que coisa, está contratada! Pode começar a limpar a minha casa
amanhã, faxineira.
Yasmin: A
senhora é uma comédia, dona Johanna! Eu quero, na verdade, ser uma modelo na
Top Model!
Johanna: (Surpresa:)
Uma o que?
Yasmin: Uma
modelo. Bem, na verdade, não sou só eu. É que a minha amiga Manuela também quer
ser, só que como ela é uma cretina covardona, eu vim aqui pedir por nós duas!
Johanna: (Debochando:)
Pois bem, meu docinho, você está contratada.
Yasmin: O
que?! Tá falando sério?
Johanna: (Debochando:)
E eu minto? Pode passar lá hoje mesmo.
Johanna começa a descer as
escadas.
Yasmin: Não
vou me atrasar! Tenho certeza que eu e Manu vamos adorar conhecer a Top Model.
Johanna: Tenho
certeza de que vai adorar, querida. (Põe o óculos de sol:) Isso se gostar de
paredes queimadas.
Cena 2/Copacabana Palace/Saguão/Interior/Dia
Após o café, Donna e
Katherine descem do quarto e vão em direção ao saguão. Cabonna havia combinado
de entregar o último salário de Mara, antes de dispensa-la de vez. Ambas vão
caminhando até o sofá:
Donna: Como
está o meu rosto, Kate?
Katherine olha e percebe um
grande roxo na face direita de Donna. Não querendo também ser demitida, Kate
mente:
Katherine: Está
às mil maravilhas, nem parece que sofreu danos, lady Cabonna.
Donna: Ótimo.
Ainda não estou acreditando que aquela empregadinha mequetrefe teve a pachorra
de me bater, dentro do meu próprio quarto. Se eu pudesse, não dava mais nenhum
tostão pra aquela ordinária. Mas como esse paisinho de baixa categoria é assim,
eu sou obrigada a pagar os últimos reais pra ela. Que raiva.
Donna e Kate se sentam.
Katherine: Donna...digo,
lady Cabonna, eu ainda não entendi uma coisa.
Donna: (Passando
base para cobrir o machucado:) O que?
Katherine: O
que estou fazendo aqui. Você disse que tinha um “acerto e contas” pra resolver,
e que precisava da minha ajuda para isso.
Donna: Exatamente,
minha querida. (Olha o jornal e vê a foto da Top Model em chamas:) E parece que
tudo está se encaminhando para dar certo.
Katherine: Oh, my God. Não entendo...
Donna: Ai,
menina! Será que eu vou ter que te explicar tudo? Dentro de pouco tempo um
grande evento de moda vai acontecer aqui no Rio. Todas as estilistas vão levar
suas modelos para a ocasião. A vencedora, logicamente, ganhará uma grande
fortuna em barras de ouro...
Katherine: É
por isso que eu vim? Pra ser seu galo de briga? Só para lady Cabonna ganhar
mais Money?
Donna: Não
seja tola, menina. Tenho dinheiro o suficiente para viver mais por mais três
encarnações!
Katherine: Então...?
Donna: (Bufa:)
Eu preciso de você pra ganhar o concurso. Duas velhas amigas minhas vão
concorrer. E elas não podem ganhar. Não que eu corra algum risco, é certo que
elas não vão ganhar, mas preciso me garantir. A vitória tem que ser minha. Eu
tenho um trunfo na mão, que elas nem imaginam.
Katherine: E
o que elas fizeram?
Donna: Roubaram
uma pessoa de mim. E vão pagar, escute bem! Vão pagar por isso.
Mara entra.
Mara: Donna
Cabonna.
Donna: Ah,
veja só, Kate, se não é a baleia revoltada.
Mara: (Fecha
a mão com força:) Que pode se revoltar de novo.
Donna: (Rangendo
os dentes:) Você não se atreva...
Kate levanta:
Katherine: Meninas,
por favor, vamos ser civilizadas. Lady, entregue o que é dela e vamos voltar
pro quarto.
Mara: Cê
ouviu o que a gringa disse, entrega o dinheiro.
Donna: Com
o maior prazer. (Tira um saquinho do bolso:)
Pronto, aqui está. Toda essa merreca que você quer está aí, dentro dessa
trouxinha. Agora pegue isso e suma da minha vida. Não quero voltar a ver essa
sua cara roliça nunca mais, nem pintada de ouro!
Mara: Não
se esqueça, senhora...Um dia a senhora vai voltar a me ver. E...sem querer ser
indelicada...Mas acho melhor a senhora passar um pouquinho mais de pó nas
fuças, esse roxo tá bem grande. (Começa a caminhar para a porta).
Donna: (Põe
a mão no rosto:) Katherine, sua traíra, você disse que ninguém ia ver. Você me
paga, Mara, me paga!
Mara: Até
qualquer dia, Donna Cafona.
Trilha Sonora: Stronger Than You
- Estelle
Cena 3/Cortiço/Casa de Yasmin/Cozinha/Interior/Dia
Yasmin senta na mesa para
almoçar com sua mãe Claudine e seu padrasto Roberval.
Claudine: Vem,
filha, o almoço já tá pronto.
Roberval: Tava
onde hein, senhorita?
Yasmin: Cuidando
da minha vida, Roberval, coisa que você deveria fazer também.
Roberval: Tá
vendo como a sua filha me trata, Claudine? Eu aqui, preocupado com ela, e ela
me vem com essa falta de educação.
Claudine: Filha,
por favor...O Rô só quer o seu bem...
Yasmin: (Ri:)
Ah, tá, mãe. O “Rô” nunca se preocupou comigo, e agora quer me controlar? Ah,
me poupa. Satisfação eu só dou pra minha mãe.
Claudine: Se
você prefere assim, querida. Onde estava?
Yasmin: Se
lembra da Johanna Cabello?
Claudine: Johanna...Ah,
claro! Não é aquela estilista que você gosta bastante?
Yasmin: Bastante
não, muito! Ela veio morar aqui, no cortiço.
Claudine: O
que? Aqui, logo ela?
Roberval: Mulherzinha...isso
sim. Passou por mim de nariz empinado, não presta...
Yasmin: Ela
teve um dia difícil, Roberval. Ninguém é obrigado a cumprimentar você...
Roberval: Viu,
Clô? Ela começou de novo com essa falta de respeito.
Yasmin: Quer
saber, Roberval, por que é que você acha que eu tenho que te dar respeito?
Roberval: Por
que eu sou seu pai, eu que sustento essa casa!
Yasmin: Você
não é meu pai, e quem paga as despesas da casa é a minha mãe com a pensão de
viúva que ela recebe da empresa do meu pai! Você é um imprestável, que fica o
dia todo coçando esse saco no sofá, enquanto a minha mãe se mata de tanto
trabalhar naquela bendita máquina de costura para poder botar nem que seja um
grão de arroz no prato!
Roberval: (Nervoso:)
Olhe aqui, Yasmin, eu não vou permitir que cê me falte com o respeito!
Yasmin: Eu
nunca vou respeitar um encostado como você! É um abutre, uma sanguessuga, um
vagabundo que não é capaz de lavar nem o prato que come!
Claudine: Parem,
vocês dois!
Claudine segura o braço de
Yasmin. Ao fazer esse ato, um pedaço de sua manga acabou caindo, mostrando que
seu pulso estava roxo.
Yasmin: (Olha
para o pulso de Claudine:) Mãe...O que é isso?
Claudine: (Puxa
a manga de volta:) Ah...Filha, isso é só um machucadinho de nada. Acredita que
eu escorreguei no pano e bati o pulso na cadeira? Ah, sou tão desastrada.
Yasmin: Mãe.
Tombo nenhum deixa um pulso assim. Alguém apertou ele. O que tá acontecendo?
Claudine: Você
tá se preocupando demais com pouca coisa, Yasmin. Eu já disse que foi um
acidente.
Yasmin: Um
acidente típico que a maioria das mulheres sofrem todos os dias. Foi esse
brutamontes, não foi? Foi esse covarde que te machucou de novo!
Roberval: (Levanta
irritado e gritando:) Cê tá louca menina?! Eu nunca encostei um dedo na sua
mãe!
Yasmin: É
claro que não foi só o dedo, foi a mão inteira! Eu sabia, sabia que você não
prestava! Você é um desgraçado, eu te odeio! (Joga o suco na cara de Roberval).
Roberval:
Agora você passou dos limites. (Parte pra cima de Yasmin, mas Claudine segura
sua mão:)
Claudine: Roberval,
já chega!
Roberval: Me
larga, Claudine! Deixa eu dar um corretivo nessa menina!
Yasmin: Vem,
pode vim, eu não tenho medo de você!
Roberval: Perdeu
a noção do perigo?!
Yasmin: Quem
não tem noção aqui é você. Sabe por que eu não tenho medo? Por que eu sei dos
meus direitos! É só você encostar um dedo em cima de mim, que eu vou na
delegacia e te denuncio! Eu não sou que nem a dona Claudine, eu te enfrento!
Roberval: Atrevida!
(Levanta a mão).
Claudine: Roberval,
não!
Yasmin: (Séria:)
Bate, bate em mim. Bate em mim, assim como você bate na minha mãe. Covarde.
Num impulso, Roberval pega o
prato de Yasmin e o joga na parede.
Yasmin: Monstro.
É isso que você é, Roberval, um monstro.
Claudine: (Com
lágrimas nos olhos:) Filha, por favor, vai pra rua.
Yasmin: E
você, mãe. Me decepcionou mais do que ele.
Yasmin vai até seu quarto,
arruma suas malas e passa pela cozinha. Claudine está juntando os cacos do
prato, enquanto Roberval fuma um cigarro rente à janela.
Claudine: (Nota
as bagagens:) Filha? Que malas são essas?
Yasmin: Tô
indo embora, mãe.
Claudine: Você
tá se precipitando demais, Yasmin. Uma briguinha à toa...
Yasmin: (Com
raiva:) Uma briguinha à toa?! Ele quase me bateu, mãe, quase bateu!
Claudine: Você
estressou ele...Ele só estava nervoso!
Yasmin: Mãe!
Como você pode ser tão cega?! Ele vive às suas custas, ele abusa da senhora. E
você continua aí, feito uma escrava, servindo e obedecendo tudo o que esse
merda fala!
Claudine: Filha,
eu sei que cê tá nervosa, mas pensa bem! Você não tem pra onde ir, e eu não
quero ficar sem você!
Yasmin: Então
é simples, mãe. É só fazer a escolha.
Claudine: O
que você quer dizer com isso?
Yasmin: Eu,
ou o Roberval. Escolhe.
Claudine: Não
faz isso comigo, filha.
Yasmin: Anda,
mãe, escolhe. Ou o seu marido, ou a sua filha.
Claudine fica sem reação.
Ela abaixa a cabeça, e fica em silêncio. Começa a chover fortemente.
Yasmin: Entendi.
Eu vou embora. (Começa a ir até a porta).
Claudine: Filha,
Yasmin!
Roberval: Deixa,
Claudine, deixa! Deixa essa ingrata ir embora. É menos um peso pra mim
sustentar.
Yasmin: O
único peso aqui é você.
Claudine: Filha,
olha essa chuva. Você não pode ir assim!
Yasmin: (Pega
nas mãos de Claudine:) Eu te amo, mãe. Te amo muito, mais que tudo na minha
vida. E eu espero que um dia você acorde e veja o tipo de monstro que você
mantém em casa. Quando esse dia chegar, eu vou tá de braços abertos, esperando
a senhora.
Claudine: (Chorando
desesperadamente:) Filha...
Yasmin: Tchau,
mãe.
Yasmin pega as suas malas e
desce as escadas do cortiço até a saída. Em sua volta, a chuva e os trovões
circundam o seu redor. Ainda com a porta aberta, Claudine chora com muito
desespero, enquanto, lentamente, Roberval fecha a porta número 40, onde apenas
um grito é ouvido.
Aos prantos, Yasmin vai
andando pela chuva, que corria com uma força que ela jamais tinha visto. Foi aí
que, de relance, ela pôde ver Johanna Cabello pegando o ônibus expresso, em
direção à Top Model. Nesse instante, ela já sabia para onde ir.
Trilha Sonora: Unfortunate Soul – Kailee Morgue
Cena 4/Ônibus Expresso/Interior/Dia
Johanna entrou no ônibus
para se dirigir até a Top Model, não vendo Yasmin, que passara por ela. Ao
entrar, Johanna percebe que todos os acentos estavam ocupados, obrigando-a a
ficar segurando o corrimão.
Johanna: (Fala
para si mesma:) Só pode ser carma. Não acredito que eu vou ter que ficar de pé
feito uma macaca chita segurando esses ferrolhos...Só pode ser macumba, e das
bravas.
O ônibus dá a partida com
força, fazendo Johanna perder o equilíbrio e “voar” corredor a dentro:
Johanna: (Grita:)
AAAAAH!
Dá de cara no chão,
levanta-se e todos a olham segurando o riso.
Johanna: Que
que é, tão me olhando por que? Perderam o que? Bando de suburbano cafona, eu
hein.
O motorista acelera o
ônibus.
Johanna: (Gritando:)
Vai devagar aí, motorista! Não tô afim de morrer não!
O ônibus para bruscamente, e
Johanna dá com a cara no corrimão. Assim que o ônibus para, uma mulher desocupa
um dos acentos, e Johanna o ocupa. Ao sentar, uma mulher observa o rosto de
Johanna, onde havia uma grande linha vermelha dividindo-o, por causa da
pancada. Uma mulher a olha com desdém, e ela logo retruca:
Johanna: O
que que há, minha senhora? Nunca bateu o rosto não?
Passageira: Num
corrimão, nunca.
Johanna: Pois
o problema é seu! Bando de suburbano cafona, que ódio! Até parecem paparazzis
da 25 de Março.
Uma velha senhora entra no
ônibus. Por ter uma idade avançada, ela fica encarando Johanna para que ela lhe
dê o lugar.
Johanna: O
que foi hein, minha senhora? Vai ficar me olhando com essa cara de ameixa seca
até quando?
Senhora: Até
você tomar vergonha na cara e me der o acento!
Johanna: O
único acento que eu vou te dar é o “acento muito, sinto muito”!
Senhora: Mal
educada, não respeita nem os mais velhos!
Johanna: Mais
velhos? Acho que a senhora quis dizer os “muito mais velhos”, não é,
dinossaura?
Senhora: Quando
eu tinha meus 22 anos, todas as pessoas de classe sediam o lugar aos mais velhos!
Johanna: Vinte
e dois anos, ainda se lembra?
Senhora: Insinua
que sou velha?
Johanna: Não
tô insinuando não, meu amor, tô afirmando! Exemplares como a senhora deviam
ficar é no museu, pra preservar. Eu hein, passa o dia todo com a bunda num
banco de igreja e não pode esperar nem uns dois minutinhos!
Senhora: A
senhora não tem escrúpulos!
Johanna: Escrúpulos?
Quem não tem escrúpulos é a senhora e esse puto desse motorista. (Fala ao
motorista:) Tá achando que tá na Disney, hein, meu irmão? Isso aqui não é
montanha russa não, vai devagar antes que essa velha voe pela janela na próxima
freada!
O ônibus para:
Motorista: Desce
já!
Johanna: Como
é?! (Levanta:) Escuta aqui, seu bolha com bigodinho de carroceiro, eu sou
Johanna Cabello, vulgo Estilista mais famosa do país, e eu exijo que me trate
como uma verdadeira...
Senhora: Cachorra!
A velha senhora pega Johanna
pelo cangote e a joga ônibus à fora na chuva, mostrando o dedo do meio para a
estilista enquanto o ônibus some pela estrada molhada.
Johanna: Velha
cangaceira, mercenária. Cuidado pra não ter um infarto viu, anciã! Eu hein, só
pode ser carma!
Trilha Sonora: Tiro Ao Alvo - Péricles
Cena 5/Top Model/Fachada/Exterior/Tarde
Mesmo com a chuva forte,
Johanna conseguiu chegar à seu empresa. Quando deparou-se com o estado do
prédio, todo queimado, a senhora Cabello quase teve um treco.
Johanna: Pelas
barbas do profeta! Minha Top Model! Virou churrasco na grelha!
Um dos bombeiros
responsáveis vem em sua direção, junto de Brigitte, sempre acompanhada com sua
prancheta.
Johanna: (Olha
curiosa para Brigitte:) Brigitte? O que cê tá fazendo aqui, protozoária? Como
cê veio?
Brigitte: Vim
de táxi checar a situação do prédio.
Johanna: Como
é?! (Histérica:) Você quer me deixar louca, mulher?! Não tinha dito que não
tinha dinheiro pro táxi?!
Brigitte: Mas
eu tinha, porém era só pra mim.
Johanna: É
muito egoísmo numa alma só. Você me deixou ir me misturar com o baixada
fluminense num ônibus caquético, discutir com uma velha e ser expulsa, só pro
que você não queria me dar o dinheiro?!
Brigitte:
É, basicamente sim.
Johanna: Você
é uma ordinária, Brigitte, e eu só não te demito...Por que nem RH eu tenho
mais! Eu vou lá buscar as minhas coisas, e depois eu volto pra arrancar a sua
orelha! (Gesticula para sair).
Bombeiro: (Segura
o braço de Johanna:) Não vai não, senhora.
Johanna: Mas
era só o que me faltava, o serviçal apagador de fogo querer impedir que eu
entre na minha propriedade!
Bombeiro: É
para o seu bem, senhora. A estrutura do prédio foi comprometida por causa da
explosão.
Johanna: E
o que causou essa explosão?
Bombeiro: Vazamento
excessivo de gás de cozinha.
Johanna: Gás
de cozinha? Tá louco, rapaz? Só tinha um fogão lá dentro, e que nunca foi
usado!
Bombeiro: De
qualquer jeito, senhora, a entrada está proibida.
Johanna: Qual
é o seu nome, rapaz?
Bombeiro: Clóvis,
bombeiro Clóvis...
Johanna: Bombeiro
Clóvis...(Dá um chute nas partes íntimas do bombeiro:) Vá ver se sua esposa não
está lhe botando um par de chifres!
Johanna corre para dentro do
prédio.
Cena 6/Top Model/Recepção/Interior/Dia
A tempestade continuava com
toda a força. Ao entrar na recepção, Johanna pode ver os grandes danos causados
pela explosão. Os bombeiros ainda apagavam o fogo nos andares três e cinco.
Johanna fica perplexa ao ver toda a mobília da recepção queimada. O quadro de
Marilyn Monroe, autografado pela própria atriz, estava carbonizado. Johanna
senta-se no chão, e por um minuto, se deixa finalmente chorar. Ao levantar-se,
ela tenta subir as escadas para os andares superiores, mas a estrutura treme, e
a passagem é bloqueada por grandes blocos de concreto.
Johanna: (Caminhando,
desolada:) Não consigo acreditar nisso. Como foi acontecer? Deve ser castigo,
castigo pela minha incompetência. Admita, Johanna, você nunca soube trabalhar
sem a cascavelzinha da Ednna. A empresa ia falir de qualquer jeito, de uma
forma ou de outra, só não queria que acabasse assim, em cinzas.
Enquanto se dirigia para a
saída, Johanna viu algo estranho ao lado da recepção. Era um guarda-chuva rosa.
Johanna: (Consufa:)
O que? Esse guarda-chuva...De novo? Não é possível que esse fantasma venha me
atazanar de novo, de novo não! (Grita:) O que você quer, hein?! Foi você que
fez isso, não foi? Assim como você destruiu tudo no passado, quer voltar a
destruir no presente, no meu futuro?! Este bendito guarda-chuva de novo? Pois
eu não vou mais aturar essa brincadeira de mau gosto, não dessa vez! Você pode
ter destruído a Top Model, mas nunca destruirá Johanna Cabello! Como uma fênix,
eu vou ressurgir das cinzas e descobrir quem é o responsável por isso, eu vou!
Sai do prédio em direção à
fonte.
Cena 7/Top Model/Entrada/Exterior/Tarde
Johanna: Onde
está aquela songa-monga da Brigitte? Foi embora de novo, sem mim. (Encosta a
cabeça na parede:) É, Johanna, parece que você tá sozinha. De novo.
Yasmin: (Aparece
de surpresa:) Não tá não!
Johanna leva um susto.
Johanna: (Põe
a mão no peito:) Ai, ai, ai meu coração. Será que você não pode aparecer como
uma pessoa normal, menina?! Eu hein, só pode ser...
Yasmin: Carma?
Não, é sorte! Eu vim aqui pra conhecer a empresa, afinal, sou a mais nova
modelo da Top Model!
Johanna: Ah,
não diga. Pois bem, querida, eis aqui a sua empresa.
Yasmin: (Perplexa:)
Minha nossa! O que houve?
Johanna: Vazamento
de gás. Foi tudo pelos ares...Menos esse bendito guarda-chuva. Rosa, ainda por
cima, cor das peruas.
Yasmin: Eu
sinto muito, muito mesmo!
Johanna: Não
sinta, minha filha, detesto que sintam pena de mim.
Yasmin: Eu
não tô com pena, só me compadeci de você...
Johanna: Tá,
tá, tá, menina, chega de papo furado. Pega o rumo da sua casa, que eu pego o da
minha.
Yasmin: Mas
eu não posso ir embora agora, preciso ficar aqui com você, eu quero ser uma
modelo, trabalhar na Top Model!
Johanna: Ô
meu xuxuzinho, cê tá cega, tá? A Top Model explodiu! Foi pras cucuias. Eu não
tenho mais modelo, não tem mais emprego, acabou tudo! (Começa a caminhar pela
estrada).
Yasmin: (Seguindo
Johanna:) E você vai se deixar vencer assim, tão facilmente?
Johanna: Eu
me deixo vencer há mais de quinze anos, desde que eu e Ednna brigamos.
Yasmin: E
não quer mudar isso?
Johanna: Você
fala como se a vida fosse um mar de rosas. Acorda, menina! Esse mundo é dos
espertos, dos sortudos. E entre eles, eu não me encaixo.
Yasmin: Esse
mundo é das pessoas que não abaixam a cabeça e lutam juntas contra as
adversidades da vida!
Johanna: Que
poética, já pensou em ser filósofa?
Yasmin: Eu
tô falando sério!
Johanna: Eu
também estou. Esse jogo eu já perdi, garota, tenta entender isso.
Yasmin: (Pega
Johanna e leva para perto de si:) Não, eu não vou e nunca irei entender. Você
sempre foi um exemplo pra mim. Uma mulher pobre, que com o seu talento
conseguiu sair do subúrbio e ir pra fama só com o dom de ser estilista! Você é
uma heroína pra mim, uma pessoa que eu sempre admirei. Você nunca abaixou a
cabeça pra nada, nem pra ninguém. Mesmo quando brigou com a dona Ednna, a
senhora nunca desistiu! Pôs a bola pra frente e continuou firme e forte. Mas
nada se vence sozinho, nós precisamos de ajuda pra vencer, e eu posso ajudar a
senhora!
Johanna: Ajudar?
E como você poderia me ajudar?
Yasmin: Eu
quero ser uma modelo, e eu vou ser. E se a senhora não quer se deixar vencer,
eu vou te ajudar! Eu tenho uma ideia pra que tudo dê certo, mas você precisa
acreditar em você mesma, e em mim.
Johanna: Difícil.
Yasmin: A
vida só vai ser um mar de rosas...Quando você enfrentar os espinhos, para enfim
colher uma flor. Confia em mim?
Johanna pensa por um
tempo...
Johanna: Fazer
o que, né?
Yasmmin: (Pula
de alegria:) Isso, isso! Eu sabia, sabia que a boa e velha Johanna Cabello
nunca desistiria!
Johanna: Obrigada,
e velha é a sua avó. Certo...Por onde começamos...?
Yasmin: Indo
pra casa...Aliás...Preciso de abrigo.
Johanna: Mas
é o cúmulo. Mal fez amizade e já quer me explorar?
Yasmin: Eu
tive uma briga com a minha mãe e...Bem, não posso mais voltar lá. Me ajude, por
favor...(Faz o clássico olhar de cachorrinho sem dono).
Johanna: Só
pode ser carma. Tá bom, menina, pode ficar comigo e com a cascavelzinha. Mas
não abuse da minha nobreza!
Yasmin: Jamais!
Johanna: Aliás,
qual o seu nome?
Yasmin:
Yasmin. Yasmin Pacheco, ao seu dispor.
Johanna: Yasmin
Pacheco…Sabe de uma coisa, câninânazinha?
Yasmin: O
que?
Johanna: (Abre
o guarda-chuva:) Tá aí um ótimo nome pra uma modelo.
E assim, Johanna e Yasmin
vão indo lado a lado pela chuva, com o guarda-chuva rosa em mãos.
Trilha Sonora: Unfortunate Soul – Kailee Morgue
A tela congela com um guarda-chuva rosa indo
pelos ares até ir de encontro à tela.
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